sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Um dia triste

O Fiz + Sotaques está em LUTO.

A gente aprende um pouco com cada entrevistado. Sobre o processo de fazer jornalismo, sobre a vida em geral. Com alguns aprendemos mais.

Aprendi muito, mas muito mesmo, entrevistando Marcos Kahn Su Griá, autodenominado Chinesa. Índio caigang, morador de rua, homossexual, Chinesa tem uma história carregada de tripla exclusão e heroísmo.


Você o conhece. Ele aparece no fim de um dos vídeos sobre a invisibilidade dos visíveis, numa cena que o editor Leandro Lopes teve a sensibilidade de selecionar. Silenciosamente, Chinesa deposita sua xícara de café sobre a mesa.


Fui eu que fiz essa entrevista com Marcos. Durou mais ou menos uma hora. Era um dia chuvoso em Porto Alegre-RS. Cheguei no GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção da Aids) no meio da tarde, já encharcado. Chinesa parou o que estava fazendo para me receber, no horário que havíamos marcado.


No meio da conversa sobre sua vida, houve dois momentos cruciais, em que cheguei a pensar em interromper a gravação, tamanha a emotividade. No primeiro, após um tempo falando das dificuldades que enfrentou, Chinesa contou como, diante de pessoas na mesma situação que ele, porém mais jovens, procura passar uma imagem positiva da vida nas ruas. Ele não quer provocar desilusão, apesar de sofrer isso diariamente. Ele, com menos de 40 anos, assume seu papel de mentor, suporta sua dor pelo bem dos outros.


O segundo momento crucial surgiu a partir de uma frase dita por Chinesa. Ele dizia que a vida de morador de rua tem muitas coisas boas, mas muitas dificuldades também. Eu disse:


"Marcos, nós falamos bastante até agora do lado ruim. Me fale sobre as coisas boas agora."

Chinesa parou, olhou para cima, segurou o choro. Falou:


"Uma coisa boa é quando, depois de muitos anos, encontro um amigo, que também era morador de rua, e ele me diz: 'Chinesa, vem conhecer minha casa, vem conhecer meu filho.'"

...

Chinesa faleceu na quarta-feira. Ainda não sei o motivo.

...

Eu quero dizer que aprendi muito ouvindo tua história, Marcos. Muito mesmo. Lembro que saí da entrevista pensando: isso é jornalismo, isso é contribuir com algo. Além de qualquer glamour. Jornalismo de ser humano para ser humano. Comunicação de coração para coração.

Aprendi com tua força, tua raça. Isso eu levo comigo, na minha vida profissional e pessoal, desde aquela entrevista.


Obrigado, Chinesa!


Augusto Paim

Um comentário:

t disse...

Sim, isso é jornalismo, além de qualquer glamour. A gente conhece essas pessoas incríveis, surpreendentes... basta fugir do "jornalismo de gabinete", da superficialidade, da mesmice das fontes oficiais. E, além disso, praticar a simples delicadeza de ouvir o outro e respeitá-lo.